A reflexão que vos trago hoje insinuou-se na minha cabeça há já várias semanas, durante uma das consultas que acompanhei na minha residência em Centros de Saúde como aluna de Medicina. 

Lá estava eu, sentada atrás da secretária, ao lado da médica que me tutoriou. E eis que entra a doente, e sem me conhecer de lado nenhum aceita que eu entre na sua vida, na sua história, nos seus problemas. Aceita que eu a ouça (ou talvez escute seja uma melhor palavra), aceita que coloque o meu estetoscópio sobre o seu peito, que veja as suas feridas, algumas do corpo, outras da alma... e eu pensei: que privilegiada que sou! 

Assim somos nós, médicos, privilegiados porque os nossos doentes nos dão a honra de entrarmos nas suas vidas, nas suas histórias, nos seus problemas (e também nas suas alegrias!). Privilegiados porque os doentes nos abrem as portas da sua casa, se preciso for. Sou apenas aluna (embora já tenha sido outra médica há alguns anos atrás) mas já passei por tantas pessoas... e a verdade é que todas elas, com maior ou menor facilidade, se abrem para os seus médicos. Na verdade os doentes despem-se, literal e figurativamente, para que possam ser cuidados pelos seus médicos. 

Só posso sentir-me honrada; e pequenina. Temos que nos fazer pequeninos diante dos nossos doentes, não grandes. Respeitar as suas diferenças, as suas fraquezas, que as pessoas tão dilingentemente expõem a quem delas cuida. Respeitar as suas forças e aprender com elas. Alegrarmo-nos pelas suas alegrias!

Sou uma privilegiada também porque o curso de Medicina me está a ajudar tanto a crescer como pessoa... a perceber que de facto somos todos tão mas tão diferentes, mas iguais nessas diferenças. Tão complexos, tão únicos... mas que é possível acolher a todos exactamente da mesma forma, independentemente dessas suas diferenças. 



É por isto que me sinto cada vez mais realizada por ter conseguido dar resposta à minha vocação. Este 'mais para dar' que eu sempre sentia é isto mesmo, dar-mo-nos por inteiro às pessoas que em nós confiam para que cuidemos delas, a todas as pessoas. 

Tratar doenças aprende-se; darmo-nos aos doentes nasce connosco. 


PS: não sei quem me vai ler nem qual o seu contexto e acredito que muitos dirão ou pensarão: olha-me esta parva, com uma visão tão romântica e ingénua!!! Sabe lá o que é a vida, sabe lá o que é trabalhar como médico/a, sabe lá o tipo de doentes que podem aparecer... verdade, tudo verdade. 

Eu falo agora, com a expectativa do futuro e com o coração a bater forte no peito! Mas a vocês que têm outra perspetiva das coisas e que consideram que tudo o que escrevi é simplesmente romântico de mais, acreditem que só peço que esta chama continue bem viva durante os muitos anos (espero) da minha vida de médica.   

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